Clube do Gol › Fóruns › Notícias Automotivas › Os carros-robô da Volkswagen andaram à solta no Autódromo do Algarve
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16/04/2020 às 12:35 #1010587275
Os sistemas de condução autónoma e de comunicação dos veículos com a infraestrutura (Car-to-X) vão ser parte da indústria automóvel, tanto quanto a propulsão elétrica, ainda que os carros-robô tardem até se tornar realidade.
Mas isso vai acontecer… e é por isso que todos os anos investigadores do Grupo Volkswagen se reúnem com parceiros e universidades para trocar experiências no Autódromo do Algarve. Ao mesmo tempo, uma segunda equipa está a desenvolver uma experiência de condução autónoma permanente num ecossistema urbano, na cidade de Hamburgo, Alemanha.
Walter aguenta-se na trajetória na curva à direita, acelera outra vez para a reta e depois prepara-se novamente para tocar o apex, quase a subir o corretor. Paul Hochrein, diretor do projeto, está sentado aparentando tranquilidade atrás do volante, empenhado em… não fazer nada, exceto assistir. É que Walter consegue fazer tudo sozinho aqui no circuito de Portimão.
VÊ TAMBÉM: No futuro da Renault existem “carros-robô”Quem é o Walter?
Walter é um Audi RS 7, um de vários carros-robô, carregado com equipamentos eletrónicos e computadores de alto desempenho no porta-bagagens. Não se limita a seguir uma trajetória rígida e programada para cada sua volta aos cerca de 4,7 km de perímetro do traçado algarvio, mas vai encontrando o seu caminho de forma variável e em tempo real.
Usando o sinal de GPS, Walter consegue conhecer a sua localização com precisão de centímetros na pista porque o arsenal de software calcula a melhor rota a cada centésimo de segundo, definida por duas linhas no sistema de navegação. Hochrein tem a mão direita sobre o comutador que desliga o sistema para o caso de alguma coisa correr mal. Se isso acontecer, Walter passará imediatamente para o modo de condução manual.
E por que é que o RS 7 se chama Walter? Hochrein brinca:
“Nós passamos tanto tempo nestes carros de teste que acabamos por lhes dar nomes”.
Ele é o líder do projeto durante estas duas semanas no Algarve, que é já o quinto para este grupo da Volkswagen. Quando diz “nós” refere-se a uma equipa de cerca de 20 investigadores, engenheiros — “nerds”, como Hochrein lhes chama — e pilotos de testes que aqui vieram acompanhados de uma dúzia de carros do Grupo Volkswagen.
As boxes estão repletas de cadernos de notas onde os dados de medição recém-coletados, que são avaliados e descodificados com software. “Estamos entretidos a juntar zeros e uns”, explica com um sorriso.
Engenheiros e cientistas juntos
O objetivo da missão é o de proporcionar importantes informações interdisciplinares para as marcas do Grupo Volkswagen sobre os últimos desenvolvimentos em sistemas autónomos de condução e de assistência. E nela participam não apenas os funcionários da empresa do Grupo Volkswagen como também parceiros de universidades de ponta, como Stanford, na Califórnia, ou TU Darmstadt, na Alemanha.
“Estamos aqui para que seja possível que os nossos parceiros possam ter acesso aos conteúdos que angariamos nestas sessões de testes”, explica Hochrein. E o autódromo do Algarve foi o escolhido devido à sua topografia de montanha-russa, porque aqui toda a tecnologia pode ser testada com segurança graças às amplas escapatórias e porque há um risco muito baixo de exposição a espetadores “indesejados”:
“Conseguimos avaliar os sistemas num ambiente com altos padrões de segurança e com os desafios dinâmicos mais exigentes, para os podermos desenvolver da melhor forma. O trabalho também nos dá a oportunidade de considerar aspetos relevantes da condução que não podem ser examinados individualmente em estradas públicas”.
Faz sentido. No Walter, por exemplo, estão a ser testados vários perfis de condução autónoma.
Como é que os passageiros se sentem quando os pneus de Walter chiam em curva a alta velocidade? E se a suspensão estiver num acerto mais confortável e o carro se mover a uma velocidade mais lenta sempre a meio da pista? Como pode ser definida a correlação entre os pneus e a condução autónoma? Qual é o equilíbrio ideal entre precisão de comportamento e o poder de computação necessário? Como se pode definir a programação para que o Walter seja o mais económico possível? Um modo de condução em que o Walter seja capaz de acelerar furiosamente em curva poderá ser tão agressivo ao ponto de levar os passageiros a devolver o almoço à procedência? Como é possível conseguir uma experiência de rolamento mais caraterística de uma marca ou de um modelo num carro-robô? Um passageiro de um Porsche 911 quer ser conduzido de maneira diferente do de um Skoda Superb?
VÊ TAMBÉM: Sexo em veículos autónomos? Um negócio à espera de acontecerPlayStation para guiar
A “direção por fio” — steer-by-wire, através da qual é viável desacoplar o movimento do volante do movimento das rodas direcionais — é outra tecnologia que também está a ser testada aqui, estando montada num Volkswagen Tiguan que me espera à entrada das boxes. Neste veículo o mecanismo da direção não está mecanicamente ligado às rodas dianteiras, mas sim eletricamente ligado a uma unidade de controlo eletromecânico, que faz rodar a direção.
Este Tiguan experimental é usado como ferramenta para ajustar diferentes configurações de direção: direta e rápida para condução desportiva ou indireta para viagens em autoestrada (usando o software para fazer variar o toque da direção e a sua desmultiplicação).
Mas como os futuros carros-robô nem sequer terão o volante no lugar durante boa parte da viagem, aqui temos um comando da PlayStation ou um smartphone transformado em controlo da direção, o que requer alguma prática. Certo é que os engenheiros alemães usaram cones para improvisar uma pista de slalom no pit lane e, com um pouco de prática, quase consegui terminar o percurso sem mandar qualquer marcador cónico cor-de-laranja ao chão.
VÊ TAMBÉM: O Ford Mustang autónomo conduz como um bêbadoDieter e Norbert, os Golf GTI que andam sozinhos
De volta à pista, os testes chefiados por Gamze Kabil abordam diferentes estratégias de condução autónoma num Golf GTI vermelho, “chamado” Dieter. Se o volante não se mover quando o carro estiver a virar ou a mudar de faixa durante a condução autónoma, isso poderá enervar os ocupantes do carro? Quão suave deve ser a transição da condução autónoma para a condução humana?
A comunidade de cientistas está igualmente muito envolvida com estas tecnologias do automóvel do futuro. Chris Gerdes, professor da Universidade de Stanford, veio também a Portimão com alguns de seus estudantes de doutoramento com quem se senta no Norbert, outro Golf GTI vermelho.
Nada de novo para ele que, na Califórnia, tem um Golf semelhante com o qual realiza estudos para a Volkswagen. O objetivo principal é o de regulamentar a dinâmica de condução nos limites e desenvolver redes neurais com as quais modelos apropriados podem ser mapeados e usando “aprendizagem de máquinas” (machine learning) com modelos de controlo preditivo. E, no mesmo processo, a equipa vai procurando novas pistas para responder à pergunta de um milhão de dólares: poderão os algoritmos baseados em Inteligência Artificial ser mais seguros do que condutores humanos?
Nenhum dos engenheiros e cientistas aqui presentes acredita que, ao contrário do que algumas marcas já prometeram, em 2022 haverá carros-robô a circular livremente nas vias públicas. É provável que nessa altura estejam disponíveis os primeiros veículos com condução autónoma em ambientes controlados, como aeroportos e parques industriais, e que alguns carros-robô poderão executar um número limitado de tarefas durante um curto período de tempo em estradas públicas em algumas partes do mundo.
Não estamos aqui a lidar com desenvolvimentos técnicos simples, mas também não se trata de ciência aeroespacial, mas provavelmente situamo-nos entre uma coisa e a outra em termos de complexidade. É por isso que quando acaba a sessão de testes deste ano no sul de Portugal ninguém diz “adeus”, apenas “até breve”.
Bagageira desaparece para dar lugar a computadores, muitos computadores.
Áreas urbanas: o desafio final
Um desafio totalmente diferente, mas ainda mais difícil, é o que os carros-robô terão que enfrentar nas áreas urbanas. É por isso que o Grupo Volkswagen tem um grupo dedicado a trabalhar nesse cenário, com sede em Hamburgo, e com a qual também me juntei para ter uma ideia do processo de desenvolvimento. Como explica Alexander Hitzinger, vice-presidente senior do departamento de Condução Autónoma no Grupo Volkswagen e Chief Brand Officer de desenvolvimento técnico de veículos comerciais da Volkswagen:
“Esta equipa é o núcleo do recém-criado departamento Volkswagen Autonomy GmbH, um centro de competência para condução autónoma do nível 4, com o objetivo final de levar essas tecnologias à maturidade para lançamento no mercado. Estamos a trabalhar num sistema autónomo para o mercado que queremos lançar comercialmente a meio desta década”.
Para poder realizar todos os testes, a Volkswagen e o governo federal da Alemanha estão a cooperar aqui com a instalação de uma secção de quase 3 km de comprimento no centro de Hamburgo, onde são realizadas várias experiências, cada uma com duração de uma semana e realizadas a cada duas a três semanas.
Desta forma se conseguem reunir informações valiosas sobre os habituais desafios do congestionado tráfego urbano:
- Em relação a outros condutores que excedam em muito a velocidade legal;
- Carros estacionados muito perto ou mesmo na estrada;
- Peões que ignorem o sinal vermelho num semáforo;
- Ciclistas que estejam a circular em contramão;
- Ou mesmo cruzamentos onde os sensores fiquem com “a visão” tapada por obras ou veículos estacionados indevidamente.
VÊ TAMBÉM: Mais focada. Volvo cria empresa para acelerar desenvolvimento da condução autónomaCarros-robô testam em cidade
A frota de testes destes carros-robô é composta por cinco (ainda não batizados) Volkswagen Golf elétricos totalmente “autónomos”, capazes de prever a situação potencial de tráfego cerca de dez segundos antes da mesma ocorrer — com a ajuda dos extensos dados obtidos durante a fase de testes de nove meses nesta rota. E é assim que os veículos de condução autónoma serão capazes de reagir a qualquer perigo por antecipação.
Estes Golf elétricos são verdadeiros laboratórios sobre rodas, estando equipados com vários sensores no tejadilho, nos flancos dianteiros e nas áreas frontal e traseira, para analisar tudo o que os rodeia com a ajuda de onze lasers, sete radares, 14 câmaras e ultra-sons. E em cada bagageira os engenheiros montaram o poder de computação de 15 laptops que transmitem ou recebem até cinco gigabytes de dados por minuto.
Aqui, exatamente como no autódromo de Portimão — mas de uma maneira ainda mais sensível, pois a situação do tráfego pode mudar várias vezes por segundo — o mais importante é o processamento rápido e simultâneo de conjuntos de dados extremamente pesados, como Hitzinger (que combina o know-how no automobilismo, contando com uma vitória nas 24 horas em Le Mans, com o tempo passado no Silicon Valley como diretor técnico no projeto de carro elétrico da Apple) está bem ciente:
“Usaremos esses dados para validar e verificar o sistema em geral. E aumentaremos drasticamente o número de cenários para que possamos preparar os veículos para todas as situações possíveis “.
O projeto vai ganhar impulso nesta cidade em crescimento, com notável expansão económica, mas com uma população a envelhecer e que também se carateriza por um aumento dos fluxos de trânsito (tanto residentes em vai-vem diário como dos turistas) com todo o impacto ambiental e de mobilidade que isso acarreta.
Este circuito urbano verá o seu perímetro ser estendido para 9 km até o final de 2020 — a tempo do Congresso Mundial que se realizará nesta cidade em 2021 — e terá um total de 37 semáforos com tecnologia de comunicação com os veículos (cerca do dobro dos que estão hoje em funcionamento).
Tal como aprendeu nas 24 Horas de Le Mans que venceu como diretor técnico da Porsche em 2015, Alexander Hitzinger diz que “isto é uma maratona, não uma corrida de sprint, e nós queremos ter certeza de que chegaremos como queremos à linha de meta”.
Autores: Joaquim Oliveira/Press Inform.
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